"Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias..."
Florbela Espanca
Sobre meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias..."
Florbela Espanca
De manhã, eu tinha o olhar tão perdido e a postura tão morta, que aqueles que encontrei talvez não me vissem. -
Arthur Rimbaud
High night, August.
Sweet Dreams Slut!
Your body hurts,
You can´t feel your legs,
And you can´t feel my arms around you.
All these handcuffs of life kept you in a poor and dying time.
You inspire me little one…
Your pale face and purple lips… Your soft skin
Always with a soft touch of lust.
I know you would dream if you could.
I know you wish to dream again; you say:
“Make me dream my Master, the dream inside the dream.¹”
And I wonder…
“Can you dream again, little one?”
Being honest and feeling as yourself?
How much it hurts you girl?
What do you feel when you can´t breathe well?
Do you feel complete? Maybe with a sadly happiness?
Can you write over the future?
“Yeah” my little girl, now I guess you have questions enough…
Wasn’t it what you wanted? To be heard? To have attention?
When you satisfy me, and I – watching you from the dark room – give you
The pleasure of my shy smile…
You can´t feel scared anymore… I know about it.
You can´t feel the love, or peace, or whatever you want.
I know you just... can´t feel . Isn´t it funny, sweetie?
Is it your fault?
*grins*
The children play at the playground, over the broken mirror floor.
Outside the birds sing…
It´s always so quiet and peaceful to the others, but…
It is always so painful to you.
You know the happiness as well as you watch “the sun through the blinds²”.
“Dream my Master” – you say – but maybe is too late for me.
I wish you sweet dreams slut!
*
Madrugada de Agosto.
Doces Sonhos, Vagabunda!
Seu corpo dói,
Você não pode sentir suas pernas,
E você não pode sentir meus braços em torno de você.
Todas essas algemas do vida mantiveram você em um miserável e moribundo tempo.
Você me inspira minha pequena...
Sua pele pálida e seus lábios roxos... Sua pele macia
Sempre com um toque suave de luxúria.
Eu sei que você sonharia se pudesse.
Eu sei que você deseja sonhar de novo; você diz:
"Faça-me sonhar meu Mestre, o sonho dentro do sonho¹".
E eu me pergunto:
"Você pode sonhar de novo minha pequena?"
"Sendo honesta e sentindo como si própria?"
"Quanto isso lhe machuca garota?"
"O que você sente quando você não pode respirar bem?"
"Você se sente completa? Talvez com uma triste alegria?"
"Você pode escrever sobre o futuro?"
"Simmm" minha pequena, agora acho que você tem perguntas sufucientes.
"Não era isso que você queria? Ser ouvida? Ter atenção?"
Quando você me satisfaz e eu - observando você do quarto escuro - lhe dou
O prazer do meu tímido sorriso....
Você não é capaz de se sentir assustada mais... Eu sei sobre isso.
Você não pode sentir o amor, ou paz, ou o que quiser.
Eu sei que você apenas... não pode sentir. Não é engraçado querida?
É sua culpa?
*sorrisos*
As crianças brincam no playground, sobre o piso de espelho quebrado.
Do lado de fora os pássaros cantam...
É sempre tão calmo e tranquilo para os outros, mas
É sempre tão doloroso pra você.
Você conhece a felicidade tão bem quanto você observa
"o sol através das persianas²".
"Sonhe, meu Mestre" - você diz, mas talvez seja tarde demais para mim.
E eu lhe desejo...
Bons sonhos, vagabunda!
1 - Edgar Allan Poe
2 - Cuts you up - Peter Murphy
Sweet Dreams Slut!
Your body hurts,
You can´t feel your legs,
And you can´t feel my arms around you.
All these handcuffs of life kept you in a poor and dying time.
You inspire me little one…
Your pale face and purple lips… Your soft skin
Always with a soft touch of lust.
I know you would dream if you could.
I know you wish to dream again; you say:
“Make me dream my Master, the dream inside the dream.¹”
And I wonder…
“Can you dream again, little one?”
Being honest and feeling as yourself?
How much it hurts you girl?
What do you feel when you can´t breathe well?
Do you feel complete? Maybe with a sadly happiness?
Can you write over the future?
“Yeah” my little girl, now I guess you have questions enough…
Wasn’t it what you wanted? To be heard? To have attention?
When you satisfy me, and I – watching you from the dark room – give you
The pleasure of my shy smile…
You can´t feel scared anymore… I know about it.
You can´t feel the love, or peace, or whatever you want.
I know you just... can´t feel . Isn´t it funny, sweetie?
Is it your fault?
*grins*
The children play at the playground, over the broken mirror floor.
Outside the birds sing…
It´s always so quiet and peaceful to the others, but…
It is always so painful to you.
You know the happiness as well as you watch “the sun through the blinds²”.
“Dream my Master” – you say – but maybe is too late for me.
I wish you sweet dreams slut!
*
Madrugada de Agosto.
Doces Sonhos, Vagabunda!
Seu corpo dói,
Você não pode sentir suas pernas,
E você não pode sentir meus braços em torno de você.
Todas essas algemas do vida mantiveram você em um miserável e moribundo tempo.
Você me inspira minha pequena...
Sua pele pálida e seus lábios roxos... Sua pele macia
Sempre com um toque suave de luxúria.
Eu sei que você sonharia se pudesse.
Eu sei que você deseja sonhar de novo; você diz:
"Faça-me sonhar meu Mestre, o sonho dentro do sonho¹".
E eu me pergunto:
"Você pode sonhar de novo minha pequena?"
"Sendo honesta e sentindo como si própria?"
"Quanto isso lhe machuca garota?"
"O que você sente quando você não pode respirar bem?"
"Você se sente completa? Talvez com uma triste alegria?"
"Você pode escrever sobre o futuro?"
"Simmm" minha pequena, agora acho que você tem perguntas sufucientes.
"Não era isso que você queria? Ser ouvida? Ter atenção?"
Quando você me satisfaz e eu - observando você do quarto escuro - lhe dou
O prazer do meu tímido sorriso....
Você não é capaz de se sentir assustada mais... Eu sei sobre isso.
Você não pode sentir o amor, ou paz, ou o que quiser.
Eu sei que você apenas... não pode sentir. Não é engraçado querida?
É sua culpa?
*sorrisos*
As crianças brincam no playground, sobre o piso de espelho quebrado.
Do lado de fora os pássaros cantam...
É sempre tão calmo e tranquilo para os outros, mas
É sempre tão doloroso pra você.
Você conhece a felicidade tão bem quanto você observa
"o sol através das persianas²".
"Sonhe, meu Mestre" - você diz, mas talvez seja tarde demais para mim.
E eu lhe desejo...
Bons sonhos, vagabunda!
1 - Edgar Allan Poe
2 - Cuts you up - Peter Murphy
Tic-Tac
“Eu olho pela janela do cubículo onde trabalho. São 16h50min. A luz do sol reflete amarelada na parede do prédio vizinho.
“Ainda” – eu penso; sem perceber o tempo que já se passou. Sem perceber que o tempo por si só passa, corre e que não para pra descansar como eu estou fazendo.
Minhas costas doem minha cabeça também. Penso então em uma banheira de água morna, dessas que eu possivelmente nunca terei. É difícil enxergar o mundo com os meus olhos, onde é tudo sem graça e em vão. Onde as paredes – como a desse prédio que fica em frente ao que eu trabalho – impossibilitam a vista do que é belo e delicado.
16h58min. E nenhuma novidade, o tempo agradável que tive em casa já passou, se perdeu entre uma tarefa e outra.
O reflexo da luz do sol some aos poucos da parede, a pintura sem vida e quase sem cor vem à tona, mostrar a falta de bom gosto do seu proprietário – ou a falta de sensibilidade.
Logo o próprio prédio onde estou lançará sombras ao prédio vizinho para em seguida a noite reinar sobre todos.
Eu olho para os outros, falo como os outros, me visto como os outros, leio o que os outros lêem, gosto da mesma música que os outros gostam, mas no fundo, eu tenho nojo dos outros. Pois eles expressavam “o mesmo”, não mostram nada de novo, mostram o que eu sou, e o que eu sou, eu já sei.
17h24min – Um trabalhador qualquer come um salgado do lado de fora de uma lanchonete. Seu olhar expressa bem o que tem em seu interior: o vazio. O que me faz pensar em como ele é nobre. Se o próprio vazio é uma das forças incontestáveis da Natureza.
Os barulhos causam-me tonturas, a luz - dores de cabeça e os perfumes agradáveis são capazes de envolver-me para nausearem-me mais tarde.
As luzes se acendem, as pessoas saem de seus "escritórios". O tempo continua a correr...
E assim a luz do Sol deixa de clarear o que sempre, sempre, estará no mais indecifrável e absoluto escuro.”
Solidão de Veludo
De frente para janela, sentada em sua cama, era aonde Jeane
se encontrava. O último cigarro jazia no cinzeiro ao seu lado, no quarto amplo
como o campo de suas decepções. Pensava que se pudesse, voltaria no tempo,
voltaria á sua infância quando todos a cercavam de afeto e alegria. Ou voltaria
ao mês passado, quando pela última vez a esperança de encontrar alguém iluminou
seu coração...
Sabia que aonde quer que fosse não se veria livre da sua realidade. Que embora fosse acostumada com a multidão das ruas fervorosas, nada suprimia a dor que sentia em seu interior abandonado.
“Ás traças...” – Pensou levantando-se para espiar pela janela as ruas molhadas pela chuva.
Solidão, da mais intensa e verdadeira, do sentido mais justo da palavra.
Lá embaixo os faróis dos carros brilhavam, os vultos se entrelaçavam nas calçadas negras. A chuva fina caía como um véu sob os movimentos entorpecidos.
Dentro do quarto somente livros expostos á ação do tempo, retratos de um tempo distante, melancolia e angústia.
Jeane pensou em se atirar pela janela e se unir aquela cena cotidiana, forte e presente que se impunha nos dias frios, na falta de acalento, na falta que de quem preenchesse seu íntimo. Dias cinzas e gelados, como o fantasma de suas lágrimas eram.
Pálidas horas que congelavam seus movimentos, que congelavam os doentios ponteiros do relógio. Lânguido frio que lhe subia pelas pernas, que a tocava íntima e amargamente. Desoladora manhã, intragáveis sorvos, aveludada solidão feminina.
Sabia que aonde quer que fosse não se veria livre da sua realidade. Que embora fosse acostumada com a multidão das ruas fervorosas, nada suprimia a dor que sentia em seu interior abandonado.
“Ás traças...” – Pensou levantando-se para espiar pela janela as ruas molhadas pela chuva.
Solidão, da mais intensa e verdadeira, do sentido mais justo da palavra.
Lá embaixo os faróis dos carros brilhavam, os vultos se entrelaçavam nas calçadas negras. A chuva fina caía como um véu sob os movimentos entorpecidos.
Dentro do quarto somente livros expostos á ação do tempo, retratos de um tempo distante, melancolia e angústia.
Jeane pensou em se atirar pela janela e se unir aquela cena cotidiana, forte e presente que se impunha nos dias frios, na falta de acalento, na falta que de quem preenchesse seu íntimo. Dias cinzas e gelados, como o fantasma de suas lágrimas eram.
Pálidas horas que congelavam seus movimentos, que congelavam os doentios ponteiros do relógio. Lânguido frio que lhe subia pelas pernas, que a tocava íntima e amargamente. Desoladora manhã, intragáveis sorvos, aveludada solidão feminina.
Vazio
Marco estava cabisbaixo sentado numa velha cadeira em uma sala vazia. Amedrontado e com um vazio no estômago, sentia o esgotar de suas horas. Ouviu passos que vinham do lado de fora, seu coração acelerou enquanto alguém se aproximava.
A porta se abriu vagarosamente, para Marco o ranger dela pareceu durar uma eternidade. Aos poucos uma figura masculina foi tomando forma na penumbra e Marco se viu diante do seu algoz.
O homem que entrava fumando um charuto se aproximou em triunfo. Um sorriso malévolo estava estampado em sua face. Marco poderia ter ouvido o riso preso daquele homem, se não estivesse em verdadeiro estado de agonia como se encontrava.
- Não ouse falar. – Disse aquela voz cheia de verdade. – Antes de qualquer coisa, você vai me escutar. – Se é que um rato como você sabe falar. – Disse o homem caindo em engano.
Mas Marco não podia ouvi-lo, na verdade ele não se encontrava mais ali, talvez nunca tivesse estado ali, naquele corpo. Marco ainda cabisbaixo escutava atento a melodia que brotava de si. Cheia de notas de angústia e dor. Sabia que tal melodia traria suas lembranças á tona, e logo as imagens apareceriam em sua cabeça.
A primeira imagem veio... Era uma tarde ensolarada, Marco estava sentado na areia da praia. Sua mãe gritava distante, palavras que ele não conseguia ouvir com clareza. Suas mãos tocavam a areia pálida e fria, enchiam-se de pequenos grãos incontáveis...
O homem levantou seu rosto, sem paciência tentou fazê-lo escutar. Mas Marco abaixou a cabeça novamente.
Agora ele estava em casa, as luzes amarelas refletiam nas paredes envelhecidas. Um lar! Tão simples e humilde. Marco agora podia sentir o cheiro que vinha da cozinha, e um vazio que o atormentava. Não entendia o porquê do vazio até ouvir o choro de sua mãe que vinha do quarto ao lado. Seu pai havia partido...
Marco se dividia em duas partes, a do exterior e a do interior e embora o homem á sua frente estivesse o esmurrando e gritando, ele somente prestava atenção em seu interior.
Uma rua vazia veio até ele, molhado pela chuva ele caminhava na madrugada gelada. Uma dor invadia suas entranhas, um vazio o tomava por dentro. Ouvia claramente as vozes vindas de um beco escuro, não demorou a juntar-se á elas...
Mais fundo, Marco estava perdido. Em devaneio no submundo, quando todas as portas que se fechavam para ele durante o dia, apareceram abertas durante a noite. E aquele vazio, o conhecido vazio que continuava seguindo seus passos...
Mais á frente Marco estava sentado numa calçada, numa antiga praça onde acostumava brincar quando criança. Uma mulher estava sentada ao seu lado, mas ela queria algo, enquanto ele gostaria somente de desabafar. Uma chama se acendeu, e as brumas do silêncio o levaram para longe...
Dentro de um quarto ele estava, um quarto de um motel barato. Uma outra mulher estava sobre ele, nua, por fora e por dentro...
Um sino soou e Marco olhou para o alto - um crucifixo de uma igreja antiga. Olhou para baixo, sua mãe estava sendo sepultada. Hipócritas faces o olhavam com desdém, o vazio ganhava força...
Marco queria chorar, sua face doía amargamente, mas nenhuma lágrima caía.
Muito mais além, além do que os olhos podem ver ou os ouvidos podem ouvir, Marco se encolhia de frio. Com a visão turva via o negro mar. A água de encontro á água. Numa noite tempestuosa...
Noites adentro um cachimbo, uma prostituta, uma angústia. Olhares lançados como foguetes, faces moribundas, ódio, paixões...
Perdido nas tardes de uma nova era, Marco se erguia depois de uma queda. Nada via senão as paredes do poço, nenhuma lembrança ousava se aproximar.
Uma nota sem valor, uma herança maldita, um sonho.
Um policial, um estouro, uma poça de sangue, a morte.
Marco nunca havia estado ali, verdadeiramente não. Nem mesmo agora, enquanto sua consciência se desprendia de seu corpo. Nunca havia deixado a infância, era nela, que ele estava aprisionado, era ali que seu espírito vagava livre.
Ao som de Current 93
Maio de 2010
A porta se abriu vagarosamente, para Marco o ranger dela pareceu durar uma eternidade. Aos poucos uma figura masculina foi tomando forma na penumbra e Marco se viu diante do seu algoz.
O homem que entrava fumando um charuto se aproximou em triunfo. Um sorriso malévolo estava estampado em sua face. Marco poderia ter ouvido o riso preso daquele homem, se não estivesse em verdadeiro estado de agonia como se encontrava.
- Não ouse falar. – Disse aquela voz cheia de verdade. – Antes de qualquer coisa, você vai me escutar. – Se é que um rato como você sabe falar. – Disse o homem caindo em engano.
Mas Marco não podia ouvi-lo, na verdade ele não se encontrava mais ali, talvez nunca tivesse estado ali, naquele corpo. Marco ainda cabisbaixo escutava atento a melodia que brotava de si. Cheia de notas de angústia e dor. Sabia que tal melodia traria suas lembranças á tona, e logo as imagens apareceriam em sua cabeça.
A primeira imagem veio... Era uma tarde ensolarada, Marco estava sentado na areia da praia. Sua mãe gritava distante, palavras que ele não conseguia ouvir com clareza. Suas mãos tocavam a areia pálida e fria, enchiam-se de pequenos grãos incontáveis...
O homem levantou seu rosto, sem paciência tentou fazê-lo escutar. Mas Marco abaixou a cabeça novamente.
Agora ele estava em casa, as luzes amarelas refletiam nas paredes envelhecidas. Um lar! Tão simples e humilde. Marco agora podia sentir o cheiro que vinha da cozinha, e um vazio que o atormentava. Não entendia o porquê do vazio até ouvir o choro de sua mãe que vinha do quarto ao lado. Seu pai havia partido...
Marco se dividia em duas partes, a do exterior e a do interior e embora o homem á sua frente estivesse o esmurrando e gritando, ele somente prestava atenção em seu interior.
Uma rua vazia veio até ele, molhado pela chuva ele caminhava na madrugada gelada. Uma dor invadia suas entranhas, um vazio o tomava por dentro. Ouvia claramente as vozes vindas de um beco escuro, não demorou a juntar-se á elas...
Mais fundo, Marco estava perdido. Em devaneio no submundo, quando todas as portas que se fechavam para ele durante o dia, apareceram abertas durante a noite. E aquele vazio, o conhecido vazio que continuava seguindo seus passos...
Mais á frente Marco estava sentado numa calçada, numa antiga praça onde acostumava brincar quando criança. Uma mulher estava sentada ao seu lado, mas ela queria algo, enquanto ele gostaria somente de desabafar. Uma chama se acendeu, e as brumas do silêncio o levaram para longe...
Dentro de um quarto ele estava, um quarto de um motel barato. Uma outra mulher estava sobre ele, nua, por fora e por dentro...
Um sino soou e Marco olhou para o alto - um crucifixo de uma igreja antiga. Olhou para baixo, sua mãe estava sendo sepultada. Hipócritas faces o olhavam com desdém, o vazio ganhava força...
Marco queria chorar, sua face doía amargamente, mas nenhuma lágrima caía.
Muito mais além, além do que os olhos podem ver ou os ouvidos podem ouvir, Marco se encolhia de frio. Com a visão turva via o negro mar. A água de encontro á água. Numa noite tempestuosa...
Noites adentro um cachimbo, uma prostituta, uma angústia. Olhares lançados como foguetes, faces moribundas, ódio, paixões...
Perdido nas tardes de uma nova era, Marco se erguia depois de uma queda. Nada via senão as paredes do poço, nenhuma lembrança ousava se aproximar.
Uma nota sem valor, uma herança maldita, um sonho.
Um policial, um estouro, uma poça de sangue, a morte.
Marco nunca havia estado ali, verdadeiramente não. Nem mesmo agora, enquanto sua consciência se desprendia de seu corpo. Nunca havia deixado a infância, era nela, que ele estava aprisionado, era ali que seu espírito vagava livre.
Ao som de Current 93
Maio de 2010
Jardins de Outono
Por: Poliana P.B
Início de outono. Numa tarde pálida, Agasias passeava pelo gramado. Abatido, fitava a água serena do lago, que junto ao jardim, adormecia nos fundos de sua morada.
Passeava pelo lugar, com passos lentos e olhar distante. Tinha a sensação de que conhecia aquele vento, que lhe vinha beijar a face. Aquela brisa inebriante, sutil, envolvente, para a qual não conseguia encontrar as palavras, ou um significado comum. Tinha impressão de que em algum momento, algum bom momento, talvez na infância, aquele vento, aquela sensação o visitara, mas quando? Agasias divagava-se.
Novos passos, talvez os mesmos, nos mesmos lugares. Por entre as folhas que começavam a se desprender da copa das árvores. Agasias lembrava-se dos outonos anteriores, bonitos, ainda e sempre, vivos em sua memória.
Hora sentava-se no pequeno banco, de madeira, localizado ao canto do jardim. Hora perdia-se nos longos minutos do crepúsculo nostálgico refletido na água inerte do lago.
Silêncio. Sempre um silêncio sublime, o mundo estava calado, o homem e todas suas construções acerbas estavam estranhamente mudos. Naquele lugar, só o trino delicado dos pássaros podia ser ouvido. Somente o estremecer das folhas tocadas pelo vento era sentido. Nada mais. Nenhum outro som, nenhum outro sonho. Todos eles estavam á sete palmos, de terra pesada e indulgente. Sonhos vis, aqueles sepultados aos pés de Agasias, sob aquela terra pulsante que a tudo devora e tudo purifica. Talvez renascessem novamente, mais tarde, numa outra hora, mas agora, encontravam-se calados, como cadáveres numa necrópole.
Agasias lamentaria se fosse capaz, a ausência, a tristeza majestosa, que reinava finalmente sobre ele. Aquele vazio esplendidamente soturno a qual tinha se dirigido, por sua própria e estranha vontade.
As folhas caíam, timidamente, naquele gramado saudoso, coberto de vida e memórias, boas memórias. Crianças pareciam correr ainda por ali, era clara essa impressão. Talvez se Agasias concentrasse-se profundamente, poderia ouvir seus risos, suas vozes imaturas e gargalhadas inocentes. Mas no fundo ele sabia que certas lembranças são perigosas de se visitar. Sabia também que vivera uma vida rodeado de crianças. Talvez isso fosse um, dos motivos mais fortes da melancolia que se declinava sobre ele. Aquelas crianças tristes, pobres crianças que o cercaram todo o tempo. Que embora protegidas por suas inocências, estavam perdidas. Agasias recordava, quantas vezes tentou resgatá-las... Como se fosse possível resgatá-las, quando na verdade, sabia que estavam perdidas. Para sempre perdidas...
Agasias também via suas feridas, fendas profundas que vazavam seus corpos pequeninos e sensíveis. Pobres crianças!
Uma tarde que nunca passava. A palidez eterna recaída nos seus braços cansados. Palidez semelhante à daquela donzela áurea, que tanto amava e que um dia repousou ali. Outra criança, ele bem recordava. Outro anjo, caído no inferno dos humanos.
Sozinho, ele estava sozinho. Tão quieto quanto aquela tarde. Tão triste quanto aquela tarde. Tão silencioso...
Ele olhava para o Universo, e o Universo olhava para ele com seus olhos negros. Olhos da noite eterna.
Pensava em abster-se, fechar os olhos e esquecer aqueles dias. Mas em seu peito sentia que estava arraigado àquela estação – que havia lançado raízes... Àquele jardim.
Á Roni Peterson P. Dias
Início de outono. Numa tarde pálida, Agasias passeava pelo gramado. Abatido, fitava a água serena do lago, que junto ao jardim, adormecia nos fundos de sua morada.
Passeava pelo lugar, com passos lentos e olhar distante. Tinha a sensação de que conhecia aquele vento, que lhe vinha beijar a face. Aquela brisa inebriante, sutil, envolvente, para a qual não conseguia encontrar as palavras, ou um significado comum. Tinha impressão de que em algum momento, algum bom momento, talvez na infância, aquele vento, aquela sensação o visitara, mas quando? Agasias divagava-se.
Novos passos, talvez os mesmos, nos mesmos lugares. Por entre as folhas que começavam a se desprender da copa das árvores. Agasias lembrava-se dos outonos anteriores, bonitos, ainda e sempre, vivos em sua memória.
Hora sentava-se no pequeno banco, de madeira, localizado ao canto do jardim. Hora perdia-se nos longos minutos do crepúsculo nostálgico refletido na água inerte do lago.
Silêncio. Sempre um silêncio sublime, o mundo estava calado, o homem e todas suas construções acerbas estavam estranhamente mudos. Naquele lugar, só o trino delicado dos pássaros podia ser ouvido. Somente o estremecer das folhas tocadas pelo vento era sentido. Nada mais. Nenhum outro som, nenhum outro sonho. Todos eles estavam á sete palmos, de terra pesada e indulgente. Sonhos vis, aqueles sepultados aos pés de Agasias, sob aquela terra pulsante que a tudo devora e tudo purifica. Talvez renascessem novamente, mais tarde, numa outra hora, mas agora, encontravam-se calados, como cadáveres numa necrópole.
Agasias lamentaria se fosse capaz, a ausência, a tristeza majestosa, que reinava finalmente sobre ele. Aquele vazio esplendidamente soturno a qual tinha se dirigido, por sua própria e estranha vontade.
As folhas caíam, timidamente, naquele gramado saudoso, coberto de vida e memórias, boas memórias. Crianças pareciam correr ainda por ali, era clara essa impressão. Talvez se Agasias concentrasse-se profundamente, poderia ouvir seus risos, suas vozes imaturas e gargalhadas inocentes. Mas no fundo ele sabia que certas lembranças são perigosas de se visitar. Sabia também que vivera uma vida rodeado de crianças. Talvez isso fosse um, dos motivos mais fortes da melancolia que se declinava sobre ele. Aquelas crianças tristes, pobres crianças que o cercaram todo o tempo. Que embora protegidas por suas inocências, estavam perdidas. Agasias recordava, quantas vezes tentou resgatá-las... Como se fosse possível resgatá-las, quando na verdade, sabia que estavam perdidas. Para sempre perdidas...
Agasias também via suas feridas, fendas profundas que vazavam seus corpos pequeninos e sensíveis. Pobres crianças!
Uma tarde que nunca passava. A palidez eterna recaída nos seus braços cansados. Palidez semelhante à daquela donzela áurea, que tanto amava e que um dia repousou ali. Outra criança, ele bem recordava. Outro anjo, caído no inferno dos humanos.
Sozinho, ele estava sozinho. Tão quieto quanto aquela tarde. Tão triste quanto aquela tarde. Tão silencioso...
Ele olhava para o Universo, e o Universo olhava para ele com seus olhos negros. Olhos da noite eterna.
Pensava em abster-se, fechar os olhos e esquecer aqueles dias. Mas em seu peito sentia que estava arraigado àquela estação – que havia lançado raízes... Àquele jardim.
Á Roni Peterson P. Dias