A Victorino Carriço - 29 de julho de 1912 / 20 de maio de 2003

Não sei que caminhos percorrer
Para poder o equilíbrio encontrar.
Se Herdeira de um ignóbil prazer
E incapaz de meus sonhos sustentar.

Os lábios alheios proferem:
“Vede! É uma insana a vagar!”
Enquanto os olhos agouram
A timidez do meu caminhar.

Estranhas essas naturezas infindas!
Ocultas paredes que me cercam.
Deitam em mim negras cismas,
Com morbidez meus olhos cegam!

E de volta para mim cambaleio
Vinda da escuridão do atemporal,
E sentada assisto meu devaneio,
Ouvindo langorosa, seu eco espectral.



 
Tenho quase esquecido do que é ser livre,
Talvez a liberdade para mim não tenha passado de um sonho também.
E eu não preciso de um doutor para me dizer o que preciso para ser feliz,
Certamente ele me diria que é errado pensar assim,
Ou ficaria me olhando em silêncio,
Ou me perguntaria “como você está?”

Estão todos enganados sobre aquilo que sou
E provavelmente eu mesma também estou.
A hipocrisia também está cansada de sorrir para mim,
Desde que a abandonei ela não encontra nada de novo pra fazer.

Minha memória... Não há memória!
Há só um passado ridículo afogado no vinho,
E centenas de sensações que ainda são as mesmas.

Tenho pena de mim, e do resto também.
Quando penso que para isso que sinto não existirá cura,
E não há cura! E nunca existiu cura!
Nem para mim, nem para ninguém.

E depois da pequena quem mais vai decidir morrer?
Eu, você, tanto faz...
Depois dela, quem também finalmente decide se iludir de vez?
Tratando mesmo cada dia como se fosse um milagre...


 
 
Meus sentimentos,
Se o vazio é grandioso;
Se a existência é um fardo
Que tentas enfeitar
Com poeira e cigarros,
Com discursos baratos,
Com frieza no olhar.

Meus sentimentos!
Sinto mesmo e de verdade,
Se recorrer à mentira
E a essas doces misérias
É o que lhe restou.

Agarrar-se ao vil
Para não ter que encarar
O peso de sua vida mesquinha,
Aquele nada que é – e de fato é nada–
Sem o querer ser.

Meus sentimentos a você
Poetisa da lama,
Que chora com frio
Na sujeira e vazio
De sua funesta cama.

...

7/19/2011

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"Verto-o em versos quando a ânsia me toma,
Em sonhos quando os versos não bastam,
Em lembrança quando os sonhos se vão...
Em tristeza... Traduzo em lágrimas,
Quando a lembrança desvanece."
 
“Entregar-se é fácil,
Demasiado fácil para mim,
O corpo frio e estéril
Que anseia o fim.

Tantas vezes o sufoquei,
Almejando matá-lo.
E tantas outras o abracei,
Jurando jamais deixar de amá-lo.

E então foste embora para sempre,
Jurastes não mais voltar,
E desta vez sou eu quem morre,
Nas quietudes do lamentar.

Entregar-se é tão fácil...

Desisto da minha vida se preciso for,
Em troca de olhar-te pela última vez,
Só então sepultaria minha dor,
E todo mal que tua ausência me fez.”

...

7/7/2011

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"Há quanto tempo não o trago comigo?
No silêncio das tardes,
No escuro das álgidas noites,
Ao meu lado adormecido.

E quanto tempo o seu nome
Eu carrego em meu peito
Como um som abafado
Numa alcova silente?

É poeira o seu manto,
Esse com o qual o adorno.
E delicadas essas teias,
Que lhe cobrem os cabelos.

São finos os seus trajes
De feltro envelhecido
Empaledecidos pelas auroras
Das lembranças distantes.

São marmóreos os seus lábios,
Seu sorriso perdido.
São cadáveres esses olhos,
Sepultados em mim."

 
Deixe-me ser apenas nada,
Mais um objeto que parte faz
Dessa imagem emborrachada,
Que não se move e que dura jaz.

Olhe-me com o coração vazio,
De quem sem sentimento
Observa um quadro de tom frio
E desdenha-o sem arrependimento.

Sim! Rogo-lhe que ignore!
E sequer olhe-me como quem morre,
Apague de sua vista minha imagem.

Cruze meu caminho e vá embora,
E esqueça-se dessa vazia hora,
E nem sequer recorde de sua passagem!

 
"Perdoa-me pela demora
Atrasei-me e perdi a hora
Perdi-me nas veredas da vida
Nos degraus de minha descida.

Não sei se quer porque aqui estou
Se quiser que eu parta, diga, eu vou.
Não sei na verdade porque vim,
Não sei se por você, ou por mim.

Nesse tempo distanciei-me de mim,
Neguei-me e me feri por fim,
Fugi do amor e não quis me encontrar.

Sem saber que não é possível trair-se
Quando no escuro o que resta é despir-se
Chorar para então sorrir, partir -  para depois voltar."