"Espectro querido Que de tão ingênuo Desobedece as regras do tempo! Fantasma amado, Tão suave quanto o crepúsculo Pálido e triste. O céu do entardecer Descobre-se para te ver regressar. A terra fértil cala-se Para te ouvir passar, E despem-se as miríades Para vivazes te desejar. Espectro amado, Porque voltas a me assombrar?"
“Que seria de mim se não fossem estas linhas Onde te deito soturnamente? Embalsamando-o com a tinta da minha pena. Eternizando-te a cada palavra que escrevo. Tu viverás doce amado, Para além de todos os tempos. Pois neste papiro respiras o sopro dos deuses. És vertido em versos, Modelado em melodia Para reinar sobre a música das esferas. Velo a ti meu delicado cadáver, Beijando-te a face álgida, Para com minhas mãos de anjo Entregar-te a eternidade.”
“Eu estarei deitada em meu féretro Lívida, fria e inerte e ainda assim Carregarei minhas cicatrizes... Tão minhas! Tão alvas! Cicatrizes que continuarão a falar E murmurar de tormento. E quando a minha cripta for levada, E lá deixarem-me estirada Elas estremecerão de medo. Sussurrarão meu nome, Que ecoará nas paredes de um escuro frio. E clamarão por mim, atordoadas. E eu nada poderei fazer, Não irei retornar depois De tê-las finalmente abandonado.”
“O que me resta é muito pouco, Meus olhos humanos pedem por mais. Anseiam por coisas belas, Flores, chuva e velas E nada mais!
A luz atravessa um longo Misterioso, e escuro espaço Para refletir nas faces do inverno. E então tudo brilha palidamente Em seu reflexo errante.
Solidão! Quem me dera... Invocar os ventos Em terreno plano, Planície verde e casta.
Essa melodia ecoa Por todos os cantos... Carrega-me para longe E deita-me em meu próprio Solitário, sepulcro.”
Estavas deitado, Sonhavas ao meu lado, Sobre meus lençóis alvos. Descansavas sob o aroma Das flores que adornam Meu leito encantado. * Brisas mágicas invadiam o quarto Vindo beijar-te a face rósea Teus olhos de Dionísio, Teus lábios angelicais. * Descansavas ao meu lado, Como um anjo, um Deus. Estávamos juntos novamente! Éramos somente essência. * Os raios dourados do Sol Riscavam o céu azul, Vinham espiar-te da janela Vinham saudar teu sono perfeito. * Tudo se reequilibrava... E a mais sublime harmonia voltava A reinar sobre o corpo de Chronos. Sobre o Tudo e o Nada. * Acordastes então, Como um anjo acorda Do sonho da paz. E sorristes para mim. * Confessastes-me novamente, E novamente o teu amor. Beijava-me e possuia-me, Como os Deuses de outrora. * Entregastes-me um bilhete, Contendo todas as instruções, E o caminho secreto, Para nossos reencontros - Partistes sem que houvesse dor. * Aprendia nesse momento então O caminho para encontrá-lo. E descobria que sempre estivestes por perto. E muito mais que isto, pois, Estivestes o tempo todo aqui, ...Dentro de mim.
"Je suis la dame blanche, Je suis le fille de la nuit. Je m'apelle Solitude. Mon toit est l'infinie, douce et éternelle. Je suis avec toi, Toujour et toujour Nuit après nuit, Je suis avec toi. Parce Je t'aime, Et tu es l'interieur de moi. Et Je... Je suis l'interieur de la Nuit."
Ele estava ali, diante de mim, Inerte. Como um quadro de um cuidadoso artista. Desenhando sua própria essência Nos finos traços da sua aparência.
Do outro lado o vento, forte e frio Como nas tardes tempestuosas... E metade do dia era de fato, Uma tarde como uma dessas...
O céu dividia-se em dois. De um lado o sopro do infinito, Do outro ele, o senhor do vazio. Inabalável e imponente.
Altivo não se deixava abater, Disse-me em silêncio: “Pois é assim que tens que ser,” “Não se deixe enganar.”
Não partiu, fui eu quem o deixou, E a lembrança que ficou, Foi a da angústia se abrandar.
A Victorino Carriço - 29 de julho de 1912 / 20 de maio de 2003
Não sei que caminhos percorrer Para poder o equilíbrio encontrar. Se Herdeira de um ignóbil prazer E incapaz de meus sonhos sustentar.
Os lábios alheios proferem: “Vede! É uma insana a vagar!” Enquanto os olhos agouram A timidez do meu caminhar.
Estranhas essas naturezas infindas! Ocultas paredes que me cercam. Deitam em mim negras cismas, Com morbidez meus olhos cegam!
E de volta para mim cambaleio Vinda da escuridão do atemporal, E sentada assisto meu devaneio, Ouvindo langorosa, seu eco espectral.
Tenho quase esquecido do que é ser livre, Talvez a liberdade para mim não tenha passado de um sonho também. E eu não preciso de um doutor para me dizer o que preciso para ser feliz, Certamente ele me diria que é errado pensar assim, Ou ficaria me olhando em silêncio, Ou me perguntaria “como você está?”
Estão todos enganados sobre aquilo que sou E provavelmente eu mesma também estou. A hipocrisia também está cansada de sorrir para mim, Desde que a abandonei ela não encontra nada de novo pra fazer.
Minha memória... Não há memória! Há só um passado ridículo afogado no vinho, E centenas de sensações que ainda são as mesmas.
Tenho pena de mim, e do resto também. Quando penso que para isso que sinto não existirá cura, E não há cura! E nunca existiu cura! Nem para mim, nem para ninguém.
E depois da pequena quem mais vai decidir morrer? Eu, você, tanto faz... Depois dela, quem também finalmente decide se iludir de vez? Tratando mesmo cada dia como se fosse um milagre...
Meus sentimentos, Se o vazio é grandioso; Se a existência é um fardo Que tentas enfeitar Com poeira e cigarros, Com discursos baratos, Com frieza no olhar.
Meus sentimentos! Sinto mesmo e de verdade, Se recorrer à mentira E a essas doces misérias É o que lhe restou.
Agarrar-se ao vil Para não ter que encarar O peso de sua vida mesquinha, Aquele nada que é – e de fato é nada– Sem o querer ser.
Meus sentimentos a você Poetisa da lama, Que chora com frio Na sujeira e vazio De sua funesta cama.
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